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Narrativas dominantes, agroenergianegócios e a resistência dos povos: segunda mesa do IX Encontro debateu mercantilização, dinâmicas e conflitos nos Cerrados.

Abordando os processos de financeirização e mercantilização da natureza e os conflitos de interesse no Cerrado, a segunda mesa-redonda do IX Encontro da Rede de Estudos Rurais abriu mais um espaço de discussões ao anoitecer da última terça-feira, 05/10.

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Conduzindo as reflexões sobre a expansão agrícola no bioma Cerrado, o professor da Universidade Federal Fluminense (UFF) e membro da diretoria da Rede de Estudos Rurais, Valter Lúcio Oliveira concedeu a vez da palavra aos pesquisadores Arilson Favareto, da Universidade Federal do ABC (UFABC), Valney Dias Rigonato, da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB) e Mônica Nogueira, da Universidade de Brasília (UnB).

Primeiro a falar, Arilson Favareto, que também é pesquisador do Cebrap Sustentabilidade, apresentou resultados de dois de seus projetos de pesquisa sobre o bioma Cerrado, centrando sua mensagem no livro de sua autoria “Entre Chapadas e Baixões do Matopiba”.

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De acordo com o sociólogo, os resultados da pesquisa que centram análises nas faixas de Cerrado dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia (MATOPIBA) ajudam a confrontar a narrativa dominante do agronegócio de que, apesar dos danos socioambientais provocados ao ecossistema, há geração de riquezas, transformação e prosperidade dos territórios alcançados pela expansão do agronegócio.

Favareto apresentou uma tipologia com indicadores sociais que revelam as contradições da narrativa dominante e imagens demonstrando que o agronegócio não necessariamente gera desenvolvimento nas cidades ao seu entorno. “O que a gente mostrou foi que existe mais pobreza e desigualdade do que riqueza e bem estar no Matopiba”, disse.

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Outro ponto analisado por Favareto foi de que o agronegócio nos Cerrados não representa os interesses nacionais, dado o fato de crescentes iniciativas de internacionalização e financeirização dos ativos ambientais, revelando mais uma contradição do discurso dominante. Ele também pontuou que as dinâmicas do agronegócio tem gerado conflitos fundiários, hídricos e interelites.

Favareto chamou atenção para o fato de que as narrativas contra a expansão do agronegócio nos Cerrados são defensivas, e não exatamente buscam uma transformação do discurso dominante. De acordo com ele, o setor privado corrobora com o agronegócio ao apresentar um discurso do empreendedorismo heróico, o Estado cede diante dos resultados impulsionados pelo mercado externo, e os movimentos tradicionais e movimentos socioambientais apresentam narrativas que priorizam os temas de direito e Justiça.

“É uma narrativa, eu diria, que tem alta visibilidade, mas, relativamente, pouco poder, entre outras razões, porque há um fenômeno com o qual nós precisamos discutir melhor que é a aceitação de parte da sociedade local, de que não há outra alternativa senão um modelo do agronegócio. Essa é a arapuca, digamos assim, que estamos presos. É não conseguir criar uma narrativa que articule interesses e ofereça um horizonte de futuro para a população das comunidades afetadas pelo agronegócio para além das comunidades tradicionais”, concluiu.

Agroenergianegócios no Matopiba

Delimitando seu lugar de fala no oeste baiano, região de Cerrado, o professor da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), Valney Dias Rigonato, apresentou, com base em suas pesquisas, uma abordagem sobre a mercantilização da natureza nos cerrados que ele tem chamado de agroenergianegócios.

O geógrafo e líder do Grupo de Pesquisa em Educação Geográfica: diálogos e saberes e Cerrado têm analisado uma crescente da mercantilização da luz no Cerrado baiano.

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“Neste momento, não são só as terras, só as águas, mas o sol, a luminosidade. São vários elementos que estão em jogo. E isso tudo se faz dentro de um discurso das energias renováveis, das possibilidades, para garantir o sucesso econômico dessa virada, basicamente, que é uma virada do processo produtivo, mudando o eixo político da exportação de commodities no Brasil”, argumentou.

Segundo Rigonato, o agronegócio tem seguido uma tendência de suas commodities não serem apenas de grãos, e há uma mudança de narrativa para  o que ele chama de “verniz ecológico”, que utiliza um discurso da sustentabilidade para promover a atividade extrativista, em seu caso de estudo, a mercantilização da luz solar.

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“E aí você tem a possibilidade de garantir a baixa estrutura de energia, agora sendo substituídas pelas fazendas de produção de energias fotovoltaicas. E aí a gente vê a pulverização dessas fazendas no entorno do Cerrado, Caatinga, Bom Jesus da Lapa, Tabocas do Brejo Velho (municípios baianos). Grandes fazendas de mil, dois mil hectares de produção fotovoltaica capitaneadas pela elite do agronegócio e reunindo a perspectiva de promover a agricultura irrigada na perspectiva da agroenergianegócio”, constatou.

O pesquisador chamou atenção para o fato de que o Estado “que também é neoextrativista”, de acordo com ele, promove essas iniciativas desprendendo investimentos através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) “não só em usinas fotovoltaicas, mas em usinas termoelétricas também”, completou.

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O pesquisador mencionou, ainda, que em paralelo a agroenergianegócio, está o agroterrorismo, que tem promovido ações de conflitos entre o agronegócio e os povos dos cerrados.

 Povos do resistência

Colocando no ângulo das discussões uma mensagem de resistência pelos direitos sociais, a antropóloga Mônica Nogueira, professora do Programa de Pós-graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento Rural da  Universidade de Brasília (PPGMader), iniciou sua fala apresentando um cenário dos impactos sobre a cobertura vegetal e a cadeia reprodutiva causados no Cerrado em função das transformações provocadas pelo agronegócio.

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“O Estado brasileiro foi o grande promotor da expansão agrícola sobre o bioma desde os anos 1970, por meio de vultosos investimentos na pesquisa, na infraestrutura e no financiamento à produção”, lembrou.

Ela também citou pesquisas realizadas pelo  Laboratório de Estudos de Movimentos Sociais e Territorialidades (LEMTO – UFF) para argumentar que as próprias condições naturais do Cerrado, tais como terrenos planos, disponibilidade de água e energia solar em abundância favoreceram a expansão do agronegócio sobre o bioma.

“Estamos chamando atenção, então, para abundância desses bens naturais no bioma que são necessários ao metabolismo da vida, e que são elementos que estão ameaçados pela expansão do agronegócio e de outras fontes”.

A abundância de recursos, de acordo com Nogueira, figura como um dos motivos que levaram a fronteira agrícola para o bioma, gerando conflitos aos povos da região. Referenciando pesquisa realizada pelo LEMTO ela  argumentou que 14,9% da população rural do Brasil, abrangendo povos indígenas, quilombolas e outros povos tradicionais vivem em áreas de Cerrado, e chamou atenção para dispositivos construídos para legitimar e regularizar atos atos ilegais e formalizar dinâmicas de mercado.

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“Temos assistido a uma proliferação de projetos de emendas constitucionais, projetos de lei, decretos, instruções normativas num conjunto desses dispositivos que atentam sobre esses direitos territoriais desses grupos, e mais recentemente o desmonte de políticas públicas e processos crescentes de criminalização em uma escalada do racismo em todas as suas manifestações institucionais e ambientais”, constatou.

Apesar dos mecanismos de poder institucionalizados, segundo Nogueira, que também é professora do Mestrado Profissional em Sustentabilidade junto a Povos Tradicionais (MESPT), há resistência de grupos sociais, que há décadas têm se organizado em redes regionais em ações e atos. Ela citou o pioneiro Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu  nos estados do Maranhão, Piauí e Tocantins, a articulação Rosaline Gomes do norte de Minas Gerais, a Rede Cerrado, e a Coordenação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas.

Nogueira também lembrou dos recentes acampamentos montados em Brasília por articulação de povos indígenas durante votação do marco temporal no Supremo Tribunal Federal (STF).

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“O que o Ailton (Krenak) nos diz é que é importante resistir. É importante manter esse exercício de resistência ao estreitamento dos nossos horizontes. E se nós podemos oferecer essa resistência e suspender o céu para ampliar o nosso horizonte existencial, os povos e comunidades tradicionais dos Cerrados, sem dúvidas, são os nossos grandes aliados para esse exercício”, concluiu.

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