Primeira mesa redonda do IX Encontro apresentou perspectivas para novo modelo de desenvolvimento.
Dando sequência a programação do IX Encontro, a manhã da última terça-feira (05/10) teve início com a primeira mesa redonda do evento. Coordenada pela pesquisadora Mireya Valencia, da Universidade de Brasília (UnB), a atividade reuniu os pesquisadores André Dumans, da Universidade Federal Fluminense (UFF), Wendy Wolford, da Cornell University, Edna Castro, da Universidade Federal do Pará (UFPA) e Marina Santos, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST/ Via Campesina) em um debate sobre Desenvolvimento, des-envolvimento e transformações agrárias.
O foco de discussão da mesa foi as diferentes perspectivas teóricas de desenvolvimento, apresentando uma crítica aos modelos acadêmicos sustentados pelo viés economicista e de interesses do capitalismo. Cada pesquisador falou por aproximadamente 20 minutos e o primeiro a fazer uso da palavra foi André Dumans, da UFF.
“Quem fala em desenvolvimento e des-envolvimento está claramente criticando o primeiro termo. E esse aqui é o meu tema hoje”, iniciou Dumans. O doutor em antropologia social continuou explicando que o conceito de desenvolvimento do qual faz a crítica adquire sentido quando combinado a diferentes termos.
“Por exemplo, no conceito, na ideia de capitalismo, ou de modernização, neoliberalismo, imperialismo, colonialismo, racismo, fascismo, patriarcado”, enumerou.
Dumans comparou o agronegócio ao sistema plantation para analisar o modelo de desenvolvimento capitalista. O pesquisador lembrou que, naquele modelo de produção, era utilizada mão de obra escrava. “E isso pode levar a gente a se interrogar sobre o que há de inerentemente colonialista em todos esses empreendimentos”, concluiu.
Os problemas do plantation (ou o desenvolvimento do agronegócio)
Dando sequência ao raciocínio de Dumans, a pesquisadora Wendy Wolford argumentou que os problemas da modernidade são os problemas do plantation. Ela explicou que este é um modelo de produção agrícola ou pecuário que utiliza trabalho forçado para produzir monoculturas..
Wolford destacou que, por definição, esse modelo é orientado para a extração dos recursos naturais, e que tal formato de desenvolvimento tem deixado a humanidade vulnerável, citando o exemplo da pandemia de Covid-19.
“Provavelmente saiu do morcego, que ficou estressado com o contato com os humanos, provavelmente porque houve uma intensificação da agricultura e um desmatamento que acabou com o habitat do animal. Podemos dizer que a obsessão ao plantation nos deixa vulneráveis à pandemia”, refletiu.
A pesquisadora concluiu lembrando que há movimentos de resistência ao modelo de desenvolvimento criticado. “Também quero falar sobre resistência, que tem se manifestado de diversas formas, mas duas: a busca de reformas e espaços por dentro do plantation – jardins de casa, uma roça, hectares de terra. Outras formas de resistência buscam suplantar o plantations, através de revolução, a partir da distribuição de terras e poder”, disse.
Matriz tecnológica agroecológica
Marina dos Santos, integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST/Via Campesina), destacou que para pensar um novo modelo de desenvolvimento é preciso debater sobre concentração de riqueza, crise social do desemprego e falta de moradia, crises de saúde pública, ambiental e ecológica.
“Não tem como nós pensarmos outro modelo de desenvolvimento, não tem como nós pensarmos transformações agrárias sem a gente ter esse olhar para esse momento que nós estamos vivendo, que é uma disputa com o capital sobre os bens da natureza com poucas empresas que fortalecem esse modelo de desigualdade social de poucos ricos cresceram e os pobres ficarem mais pobres, e aí a questão da terra é um elemento que não tem como deixar fora da questão”, argumentou.
De acordo com Santos, um novo modelo de desenvolvimento deve articular terra e trabalho, terra para a produção de alimentos saudáveis e agroecológicos, a partir de uma matriz tecnológica oposta ao agronegócio. Ainda de acordo com ela, com ações estratégicas contra-hegemônicas, priorizando a produção de alimentos com um viés ambiental que fortaleça a agricultura familiar camponesa, os indígenas e quilombolas.
“Ou seja, recuperar o que é a agricultura de fato. Não só para todos aqueles que vivem no campo, mas para o conjunto da classe trabalhadora a nível geral”, concluiu.
Novas teorias em desenvolvimento
Encerrando as falas da primeira mesa, a cientista Edna Castro, da UFPA, explicou que, especialmente no pós-guerra, o tema do desenvolvimento foi o que mais ocupou as ciências sociais, com diferentes correntes teóricas Latino Americanas e do Sul. Ainda de acordo com Castro, no entanto, as teorias que faziam críticas ao desenvolvimento com viés capitalista eram insuficientes.
“É uma crítica dentro do próprio processo, da composição do conceitual do desenvolvimento. Elas acabam afirmando a necessidade de melhoria do desenvolvimento, e não uma ruptura nos alicerces fundamentais”, criticou.
Para ela, o desenvolvimento deve ser pensado como alternativa de superação do padrão capitalista, a partir de um modelo que se coloca no centro da política.
“Eu acho que hoje nós vivemos o antidesenvolvimento. Se nós conseguirmos positivar ainda o termo desenvolvimento, nós vivemos o antidesenvolvimento, porque são conjuntos de políticas que são políticas de morte, de conflito e de competição acirrada do mundo”, opinou.
Como contribuições teóricas que apontam para o novo modelo de desenvolvimento, Castro chamou atenção para os estudos pós-coloniais e decoloniais. “Esse sim, no meu ponto de vista, tem construído uma linha de ruptura junto com os movimentos feministas, o movimento feminista negro, o pensamento indígena, sobretudo nessas últimas décadas”, indicou.
Após as falas, os palestrantes responderam a blocos de perguntas encaminhadas virtualmente pelos participantes, um aquecimento para as Sessões Autogestionadas da programação, que aconteceram no início daquela tarde de terça-feira.