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Dos ativos fundiários ao novo colonialismo: discussões sobre financeirização da terra encerram mesas-redondas do IX Encontro.

Aprovação de pojetos de Lei podem facilitar exploração de terras brasileiras por empresas internacionais que utilizam discurso ecológicos

A financeirização das terras e suas relações globais foi o tema debatido pelos pesquisadores Sergio Leite, da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Klemens Laschefski, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Acácio Zuniga Leite, presidente da Associação Brasileira de Reforma Agrária (ABRA) na tarde da última quinta-feira, 07/10, durante a última mesa-redonda do IX Encontro da Rede de Estudos Rurais.

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Sob a moderação da professora Janise Bruno, da Coordenação Nacional da Rede de Estudos Rurais, os debatedores convidados apresentaram argumentos sobre valorização de ativos fundiários, a dependência e interação econômica e política internacional e o novo colonialismo. 

Sergio Leite, da UFRRJ, abriu as apresentações da mesa citando matérias jornalísticas sobre o aumento do preço de terras em áreas destinadas à produção de grãos no Brasil, e sobre projetos de Lei destinados a facilitação e regulamentação da mineração e da pecuária bovina em áreas onde povos tradicionais desenvolvem atividades extrativistas.

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“Vejam que há uma questão maior em jogo, que me parece central hoje,  por dois motivos. O primeiro é exatamente identificar que projeto de desenvolvimento nós queremos para o campo brasileiro, com que sociedade, com que atores e com que direitos reservados e reconhecidos esse projeto deveria trabalhar”, disse.  

Ele  completou chamando atenção para o segundo motivo de que os projetos de lei em curso pretendem regulamentar a financeirização não apenas sobre reservas extrativistas, mas também sobre reservas indígenas. 

O pesquisador do Grupo de Estudos em Mudanças Sociais, Agronegócio e Políticas Públicas (GEMAP) da UFRRJ fez um resgate histórico citando estudos científicos publicados nas décadas de 1980 e 1990 para destacar que a questão  financeirização e das relações globais não é tão recente no capitalismo. 

“Final dos anos 1990 e a década de 2000, nós vamos ter um conjunto de fatores que tornarão essa dimensão especulativa com a terra e com as mercadorias agrícolas e minerais exportáveis, as chamadas commodities, vamos ter aí uma modificação importante no patamar de realização desses interesses. E isso vai afetar, fundamentalmente, a questão agrária brasileira”, recordou.

Leite citou o crescimento no número de fundos de investimentos, antes apenas de 41 até os anos 2008, para 609 no ano de 2020, ampliando a financeirização da terra e construção de relações globais que impactam diretamente nas formas de vida das regiões, nas diferenças culturais, transformando a terra em um ativo imobiliário que gera retornos e ganhos apenas aos acionistas desse fundo de investimento. 

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“É aí a ideia um pouco do título da mesa: das terras com donos aos donos sem corpos. Acho que é um pouco isso, no sentido de que elas passam cada vez mais a descolar do mundo real, e o mundo real é esse onde existem povos e populações tradicionais, onde existem agricultores, camponeses, onde existe uma diversidade, uma sociobiodiversidade”, analisou. 

Complementando o argumento de Leite, o presidente da ABRA, Acácio Zuniga, destacou em sua apresentação a dependência e interação política internacional, no que ele chamou de “dependência 2.0”. Zuniga explicou que a transformação da terra em ativos que são distribuídos  a partir de relações globais cria uma dependência econômica internacional que não gera retorno aos setores brasileiros. 

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“O que eu quero chamar atenção é que não ocorre um transbordamento do setor agropecuário para o setor do serviço, ou para o setor industrial. Então, aquele modelo histórico, tão debatido por tantos pesquisadores do campo da economia, de que a produção agropecuária vai estimular a agroindústria, de que estimula outros setores, que estimula o desenvolvimento, aí não só não transborda, não só não emula o setor de serviço industrial, mas ele emula o avanço da pobreza e da desigualdade”, observou. 

Novo colonialismo 

Em diálogo com as demais apresentações, a fala de Klemens Laschefski, professor da Universidade Federal de Minas Gerais, destacou que, hoje, “não podemos mais falar de desenvolvimentismo, mas de um novo colonialismo”, observou. 

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Laschefski argumentou que empresas internacionais que adentram e exploram as terras brasileiras apresentam um discurso ecológico e sustentável, mostrando-se benéficas ao desenvolvimento, mas, na verdade, tem por trás sequência de ações que repercutem práticas colonialistas.  

Como exemplo de ações que ajudam a construir o discurso ecológico e sustentável, o pesquisador citou a construção de corredores ecológicos por parte dessas empresas, distribuição de marmitas e bebidas energéticas aos trabalhadores que, na verdade, são realizadas para estimular o aumento da produção individual desses trabalhadores, e assinatura de carteira de trabalho, para transparecer uma legalidade do trabalho explorado.

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“Estudos mostram que nós temos, inclusive, uma vida útil desses trabalhadores que é menor do que escravos no século XIX. Eles diminuem de 15 anos para 12 anos. Por que aconteceu isso? Está tudo formal, está tudo bonito, mas nós temos contratos temporários e aqueles trabalhadores são pagos pela produtividade. Dessa forma, eles se sobrecarregam para ganhar o máximo de dinheiro possível nesse emprego temporário”, disse.

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“É o mesmo princípio do projeto colonizador que explora gente além das capacidades corporais. Nós podemos verificar cada vez mais mortes por exaustão nesses campos certificados”, concluiu.  

Após as exposições, os palestrantes Acácio Zuniga e Klemens Laschefski responderam a blocos de questões encaminhadas pelos participantes, encerrando o penúltimo dia de atividades do IX Encontro. 

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